quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Terroristas no Brasil. Confere, Arnaldo?

Hoje o post é somente sobre revolta.

Isso porque estou muito mal humorada pra estudar e com pouca paciência para ler qualquer coisa mais longa.

Daí que começo a vasculhar a internet e tal, e resolvi procurar a tão falada lei antiterrorismo que tramita no Senado. O link do texto está aqui e me parece que faz jus a todas as críticas, inclusive no que diz respeito ao oportunismo da tramitação e eventual aprovação em ano de Copa, para evitar protestos e tal.

Os crimes previstos no projeto são extremamente abertos, o que quer dizer que pode haver muita margem pra interpretação -quem entende um pouco de direito sabe que isso indica desde logo que não são de boa técnica. É que os crimes devem ser descritos de tal forma que não caiba uma interpretação dúbia, ou duplo sentido - o texto deve ser o mais claro e objetivo possível, até para garantir que sejam aplicáveis a todos com o mesmo rigor, sem subjetivismos do julgador ou quem quer que seja.

Dito isso, olha só o texto do crime mais grave previsto pelo projeto de lei:

"Art. 2º Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física, à saúde ou à privação da liberdade de pessoa."

A primeira pergunta a se fazer é: como se definirá o que é "terror ou pânico generalizado"? Quem definirá isso e sob que critérios? Ora, segundo ao menos uma parcela da população, que só anda de carro blindado e pouco sai de casa, já vivemos no inferno retratado pelo filme "A Lenda": somos "pessoas de bem", "pagadoras de impostos" acossadas pelo mal, que nos espreita nas ruas, na forma de jovens, como diria o Caetano Veloso, "quase brancos quase pretos de tão pobres".

Para um determinado grupo o terror já está está instalado. É para esse medo irracional do "outro", segregado ao longo da  nossa história, que se presta esse projeto de lei? Do que o projeto de lei pretende nos proteger exatamente? E por que ele é cogitado nesse momento?

Penso que pode ser que a pequena e recente diminuição da desigualdade terrível nesse país "onde o capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora" tenha sido o suficiente para nos despertar desse longo sono do brasileiro cordial, tranquilo, transigente com as diferenças. Isso porque, de uns tempos pra cá, nos vemos confrontados com a face do outro, que até então toleramos porque estava fora da nossa vista. O "outro" agora é visto no shopping, no aeroporto, próximo demais, real demais para que possamos sustentar o mito da ausência de conflitos na sociedade brasileira.

Claro, parece existir um motivo muito mais próximo e palpável para o projeto de lei: as manifestações do ano passado e a ameaça de que elas se repitam durante a Copa.

Contudo, só é possível cogitar um projeto de lei para conter uma parcela específica da população que vive num determinado território se essa parcela já é considerada culturalmente como indesejável, ou: se já existe uma segregação, ainda que velada, dos espaços públicos para determinados grupos.

Porque num país construído sobre os destroços de outro povo em um território desocupado, num território invadido ocupado com a nobre função de instalar a democracia (eterno fardo do ocidente), é natural que existam dissidentes, é natural que esses dissidentes sejam rotulados (de rebeldes, terroristas ou o que seja) e massacrados contidos.

Mas numa democracia como é a nossa, qual é o sentido de uma lei antiterrorismo? Na minha opinião, só faz sentido se reconhecemos que para algumas pessoas a manifestação não é livre, que algumas pessoas não podem falar, ou seja, que a democracia e a liberdade de expressão não são direitos inatos a todos os ditos cidadãos. Só faz sentido na medida em que reconhecemos que há e é necessária a segregação de certos grupos. Quer dizer, só faz sentido na medida em que reconhecemos que vivemos numa democracia de faz-de-conta.

Por isso, não quero acreditar que o projeto de lei seja realmente aprovado.

Bem, preciso voltar a falar do texto da lei, porque o texto é, talvez até propositalmente, bem ruim (ao menos o original, talvez as emendas tenham melhorado um pouco). Voltando ao artigo 2º, acima citado, vê-se que fica vedado provocar ou infundir terror ou pânico mediante ofensa ou tentativa de ofensa à:
- vida;
- integridade física;
- à saúde; e o melhor de todos:
- "ofensa à privação da liberdade de pessoa".

Quer dizer, o artigo pretende proteger a liberdade da pessoa ou, ao contrário, garantir a privação de liberdade de um condenado que cumpre pena?

Não bastasse isso, a ofensa à vida, quando concretizada, implica, obviamente, na morte. Se não, é mera tentativa. Só que no mesmo artigo (§ 1º) há previsão de aumento da pena quando do ato resultar a morte.

Outro crime que o projeto pretende criar, e que considero o mais perigoso para a sociedade, é o previsto no artigo 7º do PL:

"Art. 7ºAssociarem-se três ou mais pessoas com a finalidade de praticar terrorismo:
Pena: reclusão de 05 (cinco) a 15 (quinze) anos".

Esse dispositivo é muito perigoso porque pode ser utilizado para conter uma manifestação no seu nascedouro. Como se caracterizaria essa associação? Como se configuraria exatamente que a finalidade é terrorismo, e não uma manifestação pacífica?

É claro que seria muito difícil comprovar a associação "com a finalidade de praticar terrorismo", mas o que pode acontecer é que uma investigação criminal possa amedrontar os organizadores e coibir a própria manifestação.

Não acredito que existam terroristas no Brasil. Temos jovens, muitas vezes despolitizados, muitas vezes ingênuos úteis a determinado grupo de interesses, que ou estão ansiosos para fazer alguma coisa para mudar o país ou, eventualmente, estão sendo declaradamente usados para atingir determinado objetivo.

Mas equívocos e problemas na condução de uma manifestação, erros que muitas vezes são cometidos pelo próprio poder constituído e sua polícia despreparada, não podem servir de desculpa para calar a voz de quem começou a aprender a falar.

Somos uma democracia jovem: nossa Constituição tem só 25 anos! Ainda há muito que fazer, ainda temos muito que aprender para começar a construir um país melhor. E esse projeto de lei parece querer sufocar esse ímpeto, acorrentar um povo que mal começou a aprender a andar sozinho, quer calar quem mal conseguiu emitir os primeiros grunhidos, ainda um tanto desconexos, mas audíveis e inteligíveis para quem quiser ouvir e entender.

Esse projeto de lei é vergonhoso e ele, sim, pode ser capaz de criar terroristas no Brasil, que, me parece, hoje só existem na cabeça de quem acredita que é possível construir uma nação sem o seu povo.

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