quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Terroristas no Brasil. Confere, Arnaldo?

Hoje o post é somente sobre revolta.

Isso porque estou muito mal humorada pra estudar e com pouca paciência para ler qualquer coisa mais longa.

Daí que começo a vasculhar a internet e tal, e resolvi procurar a tão falada lei antiterrorismo que tramita no Senado. O link do texto está aqui e me parece que faz jus a todas as críticas, inclusive no que diz respeito ao oportunismo da tramitação e eventual aprovação em ano de Copa, para evitar protestos e tal.

Os crimes previstos no projeto são extremamente abertos, o que quer dizer que pode haver muita margem pra interpretação -quem entende um pouco de direito sabe que isso indica desde logo que não são de boa técnica. É que os crimes devem ser descritos de tal forma que não caiba uma interpretação dúbia, ou duplo sentido - o texto deve ser o mais claro e objetivo possível, até para garantir que sejam aplicáveis a todos com o mesmo rigor, sem subjetivismos do julgador ou quem quer que seja.

Dito isso, olha só o texto do crime mais grave previsto pelo projeto de lei:

"Art. 2º Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física, à saúde ou à privação da liberdade de pessoa."

A primeira pergunta a se fazer é: como se definirá o que é "terror ou pânico generalizado"? Quem definirá isso e sob que critérios? Ora, segundo ao menos uma parcela da população, que só anda de carro blindado e pouco sai de casa, já vivemos no inferno retratado pelo filme "A Lenda": somos "pessoas de bem", "pagadoras de impostos" acossadas pelo mal, que nos espreita nas ruas, na forma de jovens, como diria o Caetano Veloso, "quase brancos quase pretos de tão pobres".

Para um determinado grupo o terror já está está instalado. É para esse medo irracional do "outro", segregado ao longo da  nossa história, que se presta esse projeto de lei? Do que o projeto de lei pretende nos proteger exatamente? E por que ele é cogitado nesse momento?

Penso que pode ser que a pequena e recente diminuição da desigualdade terrível nesse país "onde o capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora" tenha sido o suficiente para nos despertar desse longo sono do brasileiro cordial, tranquilo, transigente com as diferenças. Isso porque, de uns tempos pra cá, nos vemos confrontados com a face do outro, que até então toleramos porque estava fora da nossa vista. O "outro" agora é visto no shopping, no aeroporto, próximo demais, real demais para que possamos sustentar o mito da ausência de conflitos na sociedade brasileira.

Claro, parece existir um motivo muito mais próximo e palpável para o projeto de lei: as manifestações do ano passado e a ameaça de que elas se repitam durante a Copa.

Contudo, só é possível cogitar um projeto de lei para conter uma parcela específica da população que vive num determinado território se essa parcela já é considerada culturalmente como indesejável, ou: se já existe uma segregação, ainda que velada, dos espaços públicos para determinados grupos.

Porque num país construído sobre os destroços de outro povo em um território desocupado, num território invadido ocupado com a nobre função de instalar a democracia (eterno fardo do ocidente), é natural que existam dissidentes, é natural que esses dissidentes sejam rotulados (de rebeldes, terroristas ou o que seja) e massacrados contidos.

Mas numa democracia como é a nossa, qual é o sentido de uma lei antiterrorismo? Na minha opinião, só faz sentido se reconhecemos que para algumas pessoas a manifestação não é livre, que algumas pessoas não podem falar, ou seja, que a democracia e a liberdade de expressão não são direitos inatos a todos os ditos cidadãos. Só faz sentido na medida em que reconhecemos que há e é necessária a segregação de certos grupos. Quer dizer, só faz sentido na medida em que reconhecemos que vivemos numa democracia de faz-de-conta.

Por isso, não quero acreditar que o projeto de lei seja realmente aprovado.

Bem, preciso voltar a falar do texto da lei, porque o texto é, talvez até propositalmente, bem ruim (ao menos o original, talvez as emendas tenham melhorado um pouco). Voltando ao artigo 2º, acima citado, vê-se que fica vedado provocar ou infundir terror ou pânico mediante ofensa ou tentativa de ofensa à:
- vida;
- integridade física;
- à saúde; e o melhor de todos:
- "ofensa à privação da liberdade de pessoa".

Quer dizer, o artigo pretende proteger a liberdade da pessoa ou, ao contrário, garantir a privação de liberdade de um condenado que cumpre pena?

Não bastasse isso, a ofensa à vida, quando concretizada, implica, obviamente, na morte. Se não, é mera tentativa. Só que no mesmo artigo (§ 1º) há previsão de aumento da pena quando do ato resultar a morte.

Outro crime que o projeto pretende criar, e que considero o mais perigoso para a sociedade, é o previsto no artigo 7º do PL:

"Art. 7ºAssociarem-se três ou mais pessoas com a finalidade de praticar terrorismo:
Pena: reclusão de 05 (cinco) a 15 (quinze) anos".

Esse dispositivo é muito perigoso porque pode ser utilizado para conter uma manifestação no seu nascedouro. Como se caracterizaria essa associação? Como se configuraria exatamente que a finalidade é terrorismo, e não uma manifestação pacífica?

É claro que seria muito difícil comprovar a associação "com a finalidade de praticar terrorismo", mas o que pode acontecer é que uma investigação criminal possa amedrontar os organizadores e coibir a própria manifestação.

Não acredito que existam terroristas no Brasil. Temos jovens, muitas vezes despolitizados, muitas vezes ingênuos úteis a determinado grupo de interesses, que ou estão ansiosos para fazer alguma coisa para mudar o país ou, eventualmente, estão sendo declaradamente usados para atingir determinado objetivo.

Mas equívocos e problemas na condução de uma manifestação, erros que muitas vezes são cometidos pelo próprio poder constituído e sua polícia despreparada, não podem servir de desculpa para calar a voz de quem começou a aprender a falar.

Somos uma democracia jovem: nossa Constituição tem só 25 anos! Ainda há muito que fazer, ainda temos muito que aprender para começar a construir um país melhor. E esse projeto de lei parece querer sufocar esse ímpeto, acorrentar um povo que mal começou a aprender a andar sozinho, quer calar quem mal conseguiu emitir os primeiros grunhidos, ainda um tanto desconexos, mas audíveis e inteligíveis para quem quiser ouvir e entender.

Esse projeto de lei é vergonhoso e ele, sim, pode ser capaz de criar terroristas no Brasil, que, me parece, hoje só existem na cabeça de quem acredita que é possível construir uma nação sem o seu povo.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Nada de novo...

...no front. Mas não é desse livro que vou falar.
Na verdade, esse meu ano está demorando um pouco pra engrenar. Vamos por partes.

Ponto 1
Leituras
Eu li "O Quarto de Jacob", de Virgínia Woolf, que descreve personagens ótimos, intensos e fugidios, fugazes como memórias de uma pessoa que se foi. De fato, o personagem Jacob é inspirado no irmão falecido da autora. Separei um pequeno trecho do romance que meio que o auto descreve:

"Mulheres envoltas em xales carregam bebês de pálpebras roxas; meninas postam-se nas esquinas; meninas olham do outro lado da rua - ilustrações grosseiras, retratos num livro cujas páginas viramos e reviramos como se tivéssemos de encontrar, afinal, o que procuramos. Cada rosto, cada loja, janela de quarto de dormir, prédio público, praça escura, é uma ilustração que viramos febrilmente - à procura de quê? Com os livros acontece a mesma coisa. O que buscamos em milhões de páginas? E ainda viramos páginas, cheios de esperança... Ah, aqui está o quarto de Jacob."

Não consegui pegar nada de novo pra ler. Mas agora quero mesmo ler "O Amor é Fodido", de Miguel Esteves Cardoso.

Ponto 2
Hoje é o primeiro dia do ano letivo do meu filho, é o terceiro ano que ele vai pra escolinha, e é a terceira escolinha. Não sei se somos complicados, difíceis, se mimamos demais o pequeno, mas o fato é que tivemos problemas nas escolas anteriores.
Na primeira, quiseram reprovar o meu menininho, então com três anos, retendo-o na mesma série. Até que tudo estaria bem, se essa notícia não tivesse vindo somente no final do ano, sem  nenhuma conversa anterior (nunca fomos chamados nem cobrados por nada na escola) e se o pequeno já não tivesse tido problemas com os alunos maiores na mesma turma. Era uma escola grande, tradicional e com método próprio, e parecia confiável.
A segunda escolinha era menor e toleramos o fato de ela utilizar uma dessas apostilas prontas como principal material didático porque achamos o ambiente bem mais acolhedor. Era proibido levar brinquedos, e de fato não deixávamos nos primeiros dias, até perceber que ele ficava isolado se não levasse um brinquedo, porque não tinha com quem trocar. Depois de alguns problemas passamos a desrespeitar as regras e ficou tudo bem (salvo algumas brigas por brinquedos e vários brinquedos quebrados) até o final do ano, quando aconteceu de pegarmos ele com um hematoma na testa, abatido e triste, e ninguém ter visto e nem saber o que aconteceu.
Mas enfim, depois dessas estórias tristes achamos uma escolinha bem perto de casa e hoje ele estava ansioso pra começar. E eu estou aqui ansiosa pra ver como ele vai chegar.

Ponto 3
Curso de yoga.
Viajei uns dias e não fiz a prática. Hoje eu iria começar a valer, mas aí aconteceu de termos um compromisso de família ontem e chegarmos super tarde. A minha aula é às 7h30min então não ia rolar de acordar super cedo e sair.
Bem, vou amanhã.
Neste ano vou fazer um curso de kundalini yoga. O curso começa em abril mas tenho que me preparar com bastante prática, queria aproveitar bem os meses de fevereiro e março, mas tenho sido atropelada por outras urgências e necessidades.

Ponto 4
Estudar
Eu saí do meu trabalho esse ano pra estudar, ficar mais com o meu filho e repensar as minhas escolhas. Mas está difícil me disciplinar pra estudar. Talvez com a prática de yoga e uma alimentação mais equilibrada eu consiga me concentrar melhor. Tudo começa esta semana. Nem preciso dizer que estou muuito animada (sqn).

Ponto 5
Revolta do dia
Hoje a minha revolta é com o CONAR  e sua propaganda que debocha da sociedade que deveria proteger.

Então, e para fazer jus ao domínio desse blog, vou postar o meu comentário revoltado lá na página da propaganda:

A propaganda é ótima! Afinal, quem quer ouvir esses chatos preocupados com a violência endêmica contra a mulher, com o racismo, com a sexualização precoce das crianças? Vamos ridicularizar essa gente mesmo - só que, sério, é só ler os comentários, nem precisava, a maioria das pessoas já está bem doutrinada, qualquer propaganda de cerveja pode fazer isso aí bem melhor. Mas, claro, a propaganda de cerveja tem o propósito de vender cerveja, mas e a propaganda do CONAR, quer o que?
Dá até a impressão de que a idéia seria se justificar, dizendo que NÃO FAZ NADA a respeito da maioria das demandas que recebe porque as reclamações e as pessoas que reclamam são idiotas. Será isso? Bem, pode ser somente impressão minha, mas acho que isso não serve exatamente pra encorajar a participação da sociedade na regulamentação da propaganda."

Das ist es.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera

Barba Ensopa de Sangue é um romance envolvente. O personagem principal é o típico herói: forte, calado, honesto e bom com os amigos, protetor com crianças, animais e mulheres (talvez o personagem seja até mesmo um tanto condescendente com as mulheres, o que afinal faz sentido num personagem herói; por exemplo, ele perdoa a ex-mulher por tê-lo deixado para ficar com o seu irmão, mas não perdoa o próprio irmão) , e, claro, bonito. A estória é construída toda por diálogos e descrições ligeiras de pessoas, paisagens, sensações e sentimentos, e durante a maior parte do romance segue num ritmo muito rápido, e não se quer deixar de acompanhar as aventuras do personagem, então a interrupção da leitura para a realização das atividades cotidianas se torna bastante penosa.
Mais pro final o romance parece que há uma quebra do ritmo, talvez propositalmente para meio que retratar o estado mental do personagem, obcecado e deprimido, mas o fato é que nesse momento a leitura, ao meu ver, ficou um pouco entediante.
O romance meio que brinca com o sobrenatural e com a grande questão do livre arbítrio versus determinismo. Digo brinca porque os eventos fantásticos são algo meio remendados na narrativa, num contexto em que são bastante retratadas as superstições e idiossincrasias de uma pequena comunidade praiana (em Garopaba). O fato é que fiquei esperando por algo mais dramático e surreal durante a leitura, e isso não aconteceu.
O livro, enfim, é muito divertido, há a sensação de ouvir os personagens falando (como o guia turístico, que termina a frase com um inevitável "tá pessoal") e também é um tanto irônico - a descrição dos hipsters, por exemplo, é perfeita e muito engraçada. Contudo, os personagens não são muito aprofundados e o final não me chocou nem surpreendeu nem nada, pareceu (é bastante provável que propositalmente) o fim de um dos capítulos do livro. Fiquei um tempinho com o personagem na cabeça, mas ele provavelmente não vai conviver comigo por muito tempo - o romance é gostoso e fácil de ler, envolvente, mas não tão impressionante.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Entre os Atos, de Virginia Woolf

"Entre os Atos" foi o último romance escrito por Virgínia Woolf. A autora se suicidou antes de sua publicação. 

Em resumo, o romance descreve um dia na vida de uma família e parece girar em torno de uma personagem feminina, Isa. 

Há uma peça a ser encenada na propriedade da família, e a peça trata da História da Inglaterra. A percepção da platéia a respeito das cenas é um elemento bastante importante para esclarecer a própria peça. Por exemplo, após a seguinte fala de uma personagem da peça: "Que derramem seu suor nas minas; que tussam debruçados nos teares; que suportem o seu destino. Esse é o preço de um Império; esse é o ônus do homem branco", a reação de uma das senhoras na platéia é: "-Ora, ora - admoestou a Sra. Jones -havia grandes homens entre eles... - Não sabia por que, mas sentia que haviam ofendido seu pai e, portanto, ela própria".

Naturalmente, a relação entre os membros da família é relevante para a estória. Isa escreve poemas em um caderno de contabilidade, para escondê-los do marido, e segue por todo o romance murmurando versos - as relações entre ela e o marido são percebidas como "tensas" por terceiros.

Fico aqui pensando porque, afinal, os romances que são mais sérios e de que gosto tanto precisam retratar esse rancor e essa incompreensão (um dos momentos de Isa no livro: "Pai dos meus filhos" , acrescentou, caindo no clichê conveniente fornecido pelas literaturas de ficção") que parecem inerentes a uma relação mais duradoura, principalmente quando o romance é do ponto de vista feminino. Na verdade, penso agora nos romances de Clarice Lispector e de Virginia. O único romance com final feliz de Clarice, dos que li e de que me lembro, é "Uma Aprendizagem" e parece um pouco forçado porque o personagem masculino funciona meio que como um guru da personagem feminina durante quase todo o romance, o que acaba funcionando por causa da densidade do texto de Clarice, mas quando se pensa melhor parece uma história que se conta para si mesmo, de como as coisas poderiam ser ou poderiam ter sido, porque o que se espera dos homens, como par romântico, é que eles sejam heróis. Então, talvez a sensação sufocante não seja por conta da eventual prisão monogâmica, a que os homens não parecem submetidos; de novo Isa: "Não importava a infidelidade dele. Era a dela, sempre, que importava"), mas talvez mais por conta da sensação de engano, de não se estar nos braços de um herói, ainda que um "herói casmurro", como uma das personagens se refere ao próprio marido de Isa. Claro que também importa essa impressão de que, a partir do casamento nada mais poderia acontecer,(de novo Clarice Lispector em "Perto do Coração Selvagem"), os dias passando sem nenhuma aventura, mas talvez seja mais devastador mesmo perceber que o "príncipe" afinal não existe.

Mas, voltando, a "Entre os Atos", trata-se de um romance a ser apreciado, lido com calma, saboreado, como se faz com poesia - de fato, a linguagem é muito poética mesmo, e o conjunto é todo muito bonito e instigante. Achei especialmente belo: "(...) quando voltasse para casa, para a villa vermelha entre os trigais, ela destruiria essa emoção como um tordo arranca as asas de uma borboleta". Ou: "Bart carregara a tocha da razão até sair da escuridão da caverna. Mas ela, ajoelhada todas as manhãs, protegia suas visões". 

Por fim, confesso que tive alguma dificuldade na leitura porque ando muito ansiosa ultimamente com as mudanças que pretendo na minha vida neste ano, então eu li o romance meio que aos poucos, e precisava de alguns minutos antes de conseguir me concentrar na leitura - também não consegui ler com conversas à minha volta, e normalmente isso não costuma fazer diferença. 

Em tempo, não trago minhas impressões sobre "O Quarto de Jacob", como disse no post anterior, porque não encontrei o livro antes de sair, e costumo ler muito no ônibus, que é quando tenho mais tempo e não sou interrompida. Agora vou ler "Barba Ensopada de Sangue", de Daniel Galera, do qual recebi efusivas recomendações.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014


Procrastinando

Nesta semana resolvi tão pouca coisa na minha vida que dá um tanto de vergonha. Não dá tanta vergonha assim porque estou de férias, então me sinto menos pior de ter sido vagal, afinal o ano que passou foi bem difícil, então eu realmente preciso descansar.

Mas, para se ter uma idéia de minha personalidade enrolenta (enrolenta existe sim, acabei de inventar!), depois que me impus o objetivo de ler mais e postar minhas impressões, passei a reler os sete volumes de Harry Potter. Estou no último, então acredito que logo me livro dessa obsessão e posso retornar para a querida Virgínia Wolf, que, acredito, me receberá de braços abertos com "O Quarto de Jacob". Da Virgínia, li somente, até agora, "Passeio ao Farol", e gostei demais; tem aquela coisa de retratar eventos cotidianos com muita sensibilidade, e o mérito de passar da descrição das impressões de um personagem para outro sem prévio aviso e ainda assim ser muito fluido e gostoso de ler. Então, depois que me declarei apaixonada, meu marido comprou uma coleção de livros de Virgínia, então tenho para ler também "A Viagem", "Entre os Atos", "Os Anos", "As Ondas" e "Noite e Dia".
Além disso, quero reler "A Rua das Ilusões Perdidas", que eu li há séculos (acho que no Ensino Médio ainda), mas que deixou forte impressão. Mesmo agora lembro do poema "Cravos Negros", do qual tomei conhecimento naquele romance e, sinceramente, só ouvi falar dele lá, mas transcrevo aqui porque é das coisas mais bonitas que já li:




"Mesmo agora
Se vejo em minha alma a bela de seios de cidra
Ainda de ouro tingida, o rosto como as estrelas da noite,
Envolvendo-a; o corpo abatido pela chama,
Ferido pela lança flamejante do amor,
A primeira entre todas, por seus viçosos anos,
Então meu coração se enterra vivo na neve.


Mesmo agora
Se minha jovem de olhos de lótus volta a mim,
Extenuada ao peso tão querido do amor juvenil,
Outra vez eu lhe daria estes braços gêmeos, de amor famintos,
E de seus lábios beberia o vinho inebriante,
Como uma abelha a zumbir e flutuar
A roubar o mel do nenúfar.

Mesmo agora
Se deitada a visse, os olhos bem abertos,
As faces pálidas a brilhar,
Se prolongando às orelhas delicadas,
Sofrendo a febre da minha distância,
Então meu amor seria cordas de flores à noite,
Um amante de pretos cabelos no seio do dia.

Mesmo agora
Meus olhos que se apressam para não mais ver, estão
pintando, pintando sempre,
Os rostos de minha jovem perdida. Ó anéis dourados,
Que se esbatem contra as faces de pequenas folhas
de magnólia,
Ó tão alvo e tão macio pergaminho
Em que meus pobres lábios escreveram
Os mais lindos poemas de beijos
E não mais vão escrever.

Mesmo agora
A mente me envia o adejar de pálpebras,
Sobre olhos desvairados e a compaixão do corpo esguio,
Abatido pela exaustão da alegria;
As vermelhas flores dos seios foram o meu conforto
E abrigo, e com pesar recordo
Úmidos lábios carmins que já foram meus.

Mesmo agora
Clamam de sua fraqueza nos bazares
De quem tão forte foi para me amar. E mesquinhos homens,
Que compram e vendem por prata e são escravos,
Os olhos se enrugando na gordura; e nunca houve
Um Príncipe das Cidades do Mar que a arrebatasse
E a levasse para sombrio leito. Ah, minha jovem solitária,
Que a mim se aderiu como um traje adere; meu amor.

Mesmo agora
Ainda amo os pretos olhos que afagam como seda,
Sempre e para sempre tristes, olhos sorridentes,
As pálpebras projetando tão suave sombra quando fecham,
E outra linda expressão que se forma.
Amo os lábios viçosos, ah, a boca perfumada,
E cabelos ondulados, sutis como fumaça,
E dedos leves e riso que transborda em gemas verdes.

Mesmo agora
Ainda lembro que me fez reagir suavemente,
Sendo uma só alma, sua mão em meus cabelos,
A memória ardente a rodar seus lábios próximos;
Vi a sacerdotisa de Rati fazer amor ao luar,
E depois no salão forrado pelo dourado brilho do lampião
Deitar indiferente para dormir, em qualquer lugar.

Mesmo agora
Sempre ouço as vindas e falas dos sábios homens das torres
Onde passaram a juventude a pensar. E, escutando,
Não encontrei o sal dos sussurros do meu amor,
O murmúrio das cores confusas, em que deitados ficávamos,
quase adormecidos;
Eram palavras sábias, alegres palavras,
Lascivas como água, com o mel da ansiedade.

Mesmo agora
Não me esqueço que amei ciprestes e rosas,
As grandes montanhas azuis, as pequenas colinas cinzentas,
O marulho do mar. E houve um dia
Em que vi estranhos olhos e mãos como borboletas;
Por mim, as cotovias alçaram vôo do timo ao amanhecer
E crianças vieram se banhar em pequenos córregos.

Mesmo agora
Sei que saboreei o gosto intenso da vida,
Erguendo taças de ouro no grande banquete.
Apenas por um momento fugaz e esquecido
Tive plenamente em meus olhos, desviados de meu amor,

A torrente alva da luz eterna..."

Também fiquei muito curiosa para ler "Água Viva", de Clarice Lispector, depois da leitura da biografia.
Além dos romances, quero ler ainda "A Era dos Extremos", de Eric Hobsmawm e "Em Defesa das Causas Perdidas", de Slavoj Zizek. 
No mais, eu queria tentar intercalar a leitura de um clássico com algo mais recente, preferencialmente de escritores brasileiros. Aceito sugestões.
Vou começar para valer, assim que terminar "Harry Potter e as Relíquias da Morte". A ver.


domingo, 5 de janeiro de 2014

Acabei de ler a biografia de Clarice Lispector (Benjamim Moser, traduzido por José Geraldo Couto) e estou muito comovida.

É estranho como eu supunha muitas coisas a respeito da vida da escritora sem nenhum fundamento mais concreto.

Acho que em algum lugar eu já tinha lido aquela história do filho do Otto Lara Rezende dizendo que havia algo "pulando" em Clarice, e que não queria que ela fosse sua mãe, e por isso talvez eu tenha ficado com a impressão de que Clarice não podia ter sido uma boa mãe ou esposa, ou uma mãe e esposa disponível (na verdade, pensando bem não é preciso grandes indícios para fazermos esse tipo de julgamento...). 

Ou pode ser também que as donas de casa dos seus romances é que tenham me dado essa impressão de que a vida em família para ela deveria ser extremamente tediosa e que os filhos estariam em segundo plano na sua vida. Bom, a biografia desfez essa impressão, ao transcrever cartas e entrevistas que mostram uma mulher afetuosa e extremamente preocupada com o bem-estar dos filhos, que não se mantinha reclusa para escrever, mas fica completamente à disposição deles, que a interrompiam sempre que queriam. De todo modo, acredito que a biografia me fez compreender melhor os escritos da escritora, e também a sensação de asfixia que me despertam alguns textos. Porque, afinal, o que parece é que Clarice foi de fato prisioneira, algumas vezes de suas próprias escolhas (como quando decidiu ser a "esposa perfeita" de um diplomata) outras da condição de uma mulher da sua época, vivendo longe de seu país. Quando volta ao Brasil, divorciada, as coisas parecem não melhorar muito. Os últimos capítulos da biografia são comoventes porque retratam a grande vulnerabilidade da escritora, e indícios de que ela realmente desistiu de viver aos cinquenta e sete anos. Quando eu vi pela primeira vez a entrevista de Clarice, no youtube, não pude deixar de pensar que ela estava fazendo um pouco de cena, brincando com a imagem de escritora hermética que ela mesma criou. Fiquei um tanto chocada ao saber que ela morreu pouco depois.

Como fã de Clarice, eu meio que devorei o livro. Me parece, contudo, que ele pode ser interessante também para quem não tem grande afinidade com a obra da escritora. É que o contexto histórico que envolveu a sua vida da está muito bem retratado e, além disso, me parece que é sempre curioso observar como um estrangeiro vislumbra a realidade de nosso país.

Destaquei dois trechos bacanas, de fatos históricos dos quais eu não tinha conhecimento, para postar aqui. Segue o primeiro:
"Em janeiro de 1942 (...) todas as nações americanas, com exceção da Argentina e do Chile, romperam relações com o Eixo. (...) Hitler e Mussolini começaram a torpedear navios brasileiros, matando centenas de pessoas. O Baependi foi a pique com 250 soldados e sete oficiais, com duas baterias de artilharia e outros equipamentos. Outro navio, repleto de peregrinos a caminho de um Congresso Eucarístico em São Paulo, também foi afundado. Em resposta à previsível resposta popular generalizada, o governo baixou um decreto em 11 de março de 1942, autorizando o Estado a compensar os danos confiscando as propriedades dos cidadãos do Eixo.
Em pouco tempo seguiram-se cenas de pogroms, vitimando especialmente os cidadãos mais visíveis do Eixo, os japoneses. Se os italianos e alemães podiam frequentemente passar por brasileiros, os japoneses não podiam (...) seus bens foram confiscados e eles foram expulsos das áreas litorâneas, onde eram suspeitos de manter comunicação secreta com os submarinos do Eixo. (...) O velho bairro de Clarice Lispector no Recife testemunhou uma insólita inversão da situação na Alemanha alguns anos antes (...) Um afável japonês que tinha uma sorveteria nos arredores teve seu estabelecimento saqueado. 'Destruíram tudo, apesar de tudo que gostavam dele, dos sorvetes deliciosos. Era uma sorveteria linda, com orquestra até.'" (p. 198-200)

Não sei se isso é algo realmente óbvio e super conhecido, mas eu de fato não imaginava que os japoneses tinham sido perseguidos dessa forma na época da segunda guerra no Brasil, tendo sido alvo de ataques dos próprios cidadãos... Enfim.

Outro trecho (esse me faz acreditar na humanidade) diz respeito à criatividade dos jornalistas da época da ditadura para noticiar o que não podia ser noticiado: 
"No dia seguinte à decretação do AI-5, Alberto Dines concebeu no Jornal do Brasil uma das primeiras páginas que o tornaram famoso.'Ontem foi o dia dos cegos', noticiou o jornal, no alto, à direita. Dois artigos censurados na primeira página foram ostensivamente substituídos por anúncios classificados. O boletim meteorológico, no alto, à esquerda, dizia: 'Nuvens negras. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos'". (p. 428).

Em resumo, terminei o livro com vontade de reler alguns livros de Clarice Lispector (especialmente "A Hora da Estrela" e "Perto do Coração Selvagem") e ainda mais fascinada com a envolvente personalidade de Clarice, com pena que tivesse chegado ao fim. 











quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Vou resistir à vontade de justificar essa página, para dizer logo a que venho: em 2014 dou uma direção à minha vida que seria inimaginável para mim há pouco tempo atrás, e pela primeira vez em 35 anos de vida me vejo em condições de escolher um caminho para trilhar, e quero registrar isso.
E também pretendo ler muito esse ano, então esse vai ser um diário das minhas leituras. Tenho uma grande lista, mas vou começar com uma biografia (Benjamin Moser, Clarice, trad. José Geraldo Couto) que já estou lendo (sinto que estou trapaceando porque já comecei a ler em 2013, mas enfim...). Também não sou muito afeita a biografias, mas essa é muito especial para mim, porque se trata da Clarice Lispector, a Clarice, aquela personagem fascinante que eu pressentia desde que me deparei, quase por acaso, com "A Hora da Estrela", e que fui tateando nas próximas leituras, cujo ponto máximo, para mim, foi "Onde Estivestes de Noite".
A leitura da biografia é muito fácil, quase um romance convencional de tão bem escrita, e eu estou gostando demais. Me surpreendi com alguns detalhes da vida de Clarice, eu ignorava que ela tivesse cursado Direito, por exemplo. Estou no momento da vida da escritora anterior ao casamento, e é feita a ligação (que deve ser óbvia para os especialistas e para mim é uma super descoberta) com o ocorrido e o romance "Perto do Coração Selvagem".
A única coisa que me incomodou até agora foi uma menção a um "feminismo estridente" num dos primeiros contos, e me incomodou não por conta da menção ao feminismo, mas porque poderia ter sido utilizado qualquer outro adjetivo que não estridente, que me dá a impressão muito mais próxima de "irritante" do que de "óbvio", por exemplo. Talvez o caso é que eu esteja um tanto sensível. A aguardar o término da leitura, agora com prazo, já que devo postar em breve minhas impressões finais.